O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), manteve os atropelos à PGR (Procuradoria-Geral da República) mesmo após emplacar um aliado no comando da instituição. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, tomou posse no cargo há pouco mais de três meses e Moraes já proferiu ao menos quatro decisões importantes com pareceres contrários aos da Procuradoria.
Na gestão anterior, de Augusto Aras, havia uma avaliação interna no STF de que era natural o magistrado ignorar o órgão investigador e empoderar a Polícia Federal, ou até mesmo decidir de ofício, para conseguir avançar nas investigações contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados.
A expectativa, no entanto, era de que Moraes deixasse de ignorar manifestações da PGR após protagonizar nos bastidores, junto com o ministro Gilmar Mendes, uma forte campanha em favor da indicação de Gonet, no ano passado.
Embora o alinhamento tenha aumentado desde que seu aliado assumiu a PGR, Moraes manteve os atropelos à Procuradoria, medida que é criticada por especialistas e vai na contramão da maioria das decisões do STF.
Em diversos casos sensíveis, como na prisão de três pessoas, entre elas o deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), o magistrado e a Procuradoria trabalharam em sintonia.
Em outras situações, porém, Moraes preferiu ignorar o parecer da PGR, como no dia em que mandou prender um deputado estadual do Espírito Santo por ataques e ameaças ao STF, mesmo diante de um parecer da PGR pelo indeferimento da medida.
Gonet também se opôs à proibição imposta ao presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, de se comunicar com outros investigados e de viajar para fora do Brasil. Moraes, no entanto, expediu as duas ordens judiciais da mesma forma, em fevereiro.
Além disso, em uma das operações que apura se o governo Bolsonaro usou a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) para espionar adversários políticos, a PGR divergiu de uma diligência solicitada pela PF contra Priscila Pereira, ex-assessora do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ). Moraes atendeu ao pedido da corporação.
O ministro atropelou a Procuradoria em diversas ocasiões na gestão Aras, encerrada em setembro passado. O ex-PGR era criticado pelos integrantes do Supremo por suposta omissão em relação às ofensivas do então presidente Bolsonaro contra as instituições.
A ex-presidente do STF Rosa Weber chegou a afirmar em decisão que o comando do Ministério Público Federal não poderia cumprir “papel de espectador das ações dos Poderes da República” em uma ação que tratava de suspeita de prevaricação de Bolsonaro no caso da compra da vacina indiana Covaxin.
Moraes, por sua vez, negou pedidos da PGR para arquivar inquérito contra Bolsonaro, como no caso que apura se o ex-presidente vazou dados sigilosos; e em outra ocasião driblou a PGR para manter apurações em curso.
Nesse caso, Aras pediu a abertura de inquérito para investigar atos antidemocráticos e, pouco mais de um ano depois, em 2021, pediu o arquivamento do caso perante o STF sob o argumento de que não havia indícios contra autoridades com foro especial.
O magistrado atendeu o pedido de encerramento da apuração, mas determinou abertura de outro inquérito muito similar e que até hoje está em curso, relativo à existência de uma milícia digital ligada a Bolsonaro.
A expectativa de que os atropelos à PGR acabariam após a mudança no comando da instituição não se confirmou.
No caso de Valdemar Costa Neto, o procurador-geral entendeu que não via motivo para “a proibição de manter contato com os demais investigados, inclusive através de advogados, e a proibição de se ausentar do país”, embora tenha concordado com as buscas.
“O propósito de coleta de evidências úteis não parece depender dessas constrições de ordem pessoal, nem se assoma indicativo de risco para aplicação da lei penal que recomende as limitações sugeridas”, afirmou Gonet.
No fim de fevereiro, Moraes desconsiderou parecer a PGR contra a prisão do deputado estadual Capitão Assumção (PL-ES) por descumprimento de medidas cautelares. A Procuradoria defendeu a rejeição do pedido de prisão preventiva, mas o ministro ordenou a detenção da mesma forma.
Gonet e Moraes se aproximaram porque o atual procurador-geral foi o representante da PGR perante o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) durante a gestão do ministro à frente da corte.
Após ser indicado pelo presidente Lula (PT) e aprovado pelo Senado, em dezembro, para assumir o comando da Procuradoria, Gonet se despediu do TSE com fartos elogios ao ministro.
“O exemplo de uma postura intimorata em respeito aos valores democráticos, aos valores da ordem jurídica, uma coragem cívica sem par e um respeito absoluto ao ordenamento jurídico e sempre com os olhos voltados para o bem dos valores republicanos”, afirmou Gonet para Moraes, na sessão do TSE.
O advogado e doutor em direito criminal Ruiz Ritter afirma que “decisões contra investigados contrárias ao entendimento do responsável pela acusação são absolutamente problemáticas do ponto de vista da imparcialidade judicial e de todo ilegais”.
“Não se pode admitir que juízes desçam da posição de terceiros alheios aos interesses das partes para atuarem como acusadores sem subverter o sistema acusatório constitucional. A recente experiência com a Lava Jato, aliás, sob um custo altíssimo, deveria ter sido suficiente para essa compreensão”, afirma.
Matheus Teixeira/Folhapress
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