O avanço do julgamento do foro especial no STF (Supremo Tribunal Federal) e a atuação de aliados do governo Lula (PT) para manter a prisão do deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ) ampliaram os atritos entre Câmara, Planalto e a corte.
Além disso, críticas públicas do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ao ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, reforçaram o temor de integrantes do Palácio do Planalto de que a Casa imponha derrotas ao governo.
Embora o Senado tenha liderado nos últimos meses a cruzada contra o STF, desta vez a animosidade de parlamentares com o tribunal e também com o Planalto se concentra na Câmara.
Lira sempre expressou mal-estar na relação com Padilha. Na quinta-feira (11) afirmou que o ministro é “incompetente” e seu “desafeto pessoal”. Ele também disse que a próxima semana “vai pegar fogo”.
Nesta sexta (12), Padilha afirmou que não desceria ao nível dos ataques de Lira. Ele disse que seu foco é seguir trabalhando com o Congresso para aprovar pautas de interesse do país.
Lula também saiu em defesa do aliado. “Mas só de teimosia o Padilha vai ficar muito tempo nesse ministério, porque não tem ninguém melhor para lidar com o Congresso Nacional que o Padilha”, afirmou o presidente.
Nos bastidores, integrantes do Planalto citam receio de que acordos sejam descumpridos na análise de vetos presidenciais. Há uma sessão do Congresso prevista para a próxima quinta (18), na qual deverá ser discutido o veto de R$ 5,6 bilhões às emendas de comissão dos parlamentares no Orçamento.
Há um acordo costurado entre o ministro Rui Costa (Casa Civil) e líderes para que haja apenas a derrubada parcial desse veto, de modo que os congressistas fiquem com R$ 3,6 bilhões do montante.
O trato foi costurado em paralelo a aprovação de uma mudança no arcabouço fiscal que libera mais R$ 15 bi a Lula de forma imediata.
O medo no governo e a ameaça de alguns parlamentares é que o veto seja derrubado na íntegra. Alguns líderes da Casa ponderam a possibilidade de que isso ocorra é remota.
Ainda assim, caso essa possibilidade prospere, a perspectiva é que o Senado mantenha o compromisso com o governo.
Líderes dizem que Lira não deixou claro qual será novo recado ao governo, mas acreditam no risco de retaliações. Parlamentares afirmam, porém, que vão atuar para arrefecer a crise. Eles dizem que essa disputa não pode contaminar a agenda do Legislativo, ainda que enxerguem que o Executivo poderá enfrentar dificuldades em votações estratégicas.
Após o estremecimento da relação com Padilha, o presidente da Câmara passou a negociar sobretudo com Rui Costa. As reclamações do líder do centrão são em relação à interferência do Planalto em temas de interesses do Congresso e demora na liberação de emendas.
Nesta semana, o endosso à decisão do STF de prender Chiquinho Brazão, suspeito de ser mandante do assassinato de Marielle Franco, azedou ainda mais o clima.
Lira e seus principais aliados trabalharam para reverter a decisão e soltar Brazão. A base do governo na Câmara, por sua vez, agiu para confirmar a determinação do Supremo, tese que prevaleceu. O presidente da Casa enxergou as digitais de Padilha nessa articulação.
Em outra frente, o centrão se somou ao apelo de aliados de Jair Bolsonaro (PL) para responder ao que considera interferências indevidas do STF no Congresso. Também causou irritação a decisão do ministro Luiz Fux de autorizar a abertura de inquérito contra o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) por ter chamado Lula de ladrão.
Lira indicou a aliados a intenção de avançar com a PEC (proposta de emenda à Constituição) que altera as regras do foro, caso o tema avance no STF. Nesta sexta, a corte formou maioria, com o voto do presidente Luís Roberto Barroso, para ampliar o alcance do foro especial de autoridades.
Os ministros entendem que em casos de crimes cometidos no cargo e em razão dele, o foro especial deve ser mantido mesmo depois da saída da função. Apesar disso, o ministro André Mendonça pediu mais tempo para análise e interrompeu novamente o julgamento do caso.
Lira concorda que deve haver uma revisão do foro especial para que parlamentares não sejam julgados por juízes de primeiro grau, mas quer evitar que o STF continue com tanto poder sobre os parlamentares.
Para integrantes do centrão, magistrados de primeiro grau guardam conexões com diferentes grupos de poder em seus estados, e seriam mais suscetíveis a interferências políticas.
A ideia de Lira é encontrar um meio-termo para transferir os processos de parlamentares aos TRFs (Tribunais Regionais Federais) ou ao STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Lira indicou que pode apoiar outra ação que mira o STF e que elevaria a idade mínima para o ingresso na corte. Hoje, a pessoa precisa ter 35 anos para se tornar ministro. No Senado, uma proposta eleva essa idade para 50 anos e pode ganhar apoio da Câmara.
Senadores veem ainda espaço para avançar com a criação de mandatos para novos ministros. O tema conta com apoio de Pacheco e foi defendido pelo ministro Flávio Dino durante a busca por votos para a vaga no STF, no ano passado.
Lira, porém, é contra a fixação de mandatos. Por isso, definir uma idade mínima pode ser uma alternativa.
Pacheco, que encampou no ano passado a aprovação de uma proposta para limitar as decisões individuais de ministros do Supremo, tentou baixar a fervura nesta semana ao ser questionado sobre as críticas feitas por Lira a Padilha.
Já o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) avaliou, durante audiência pública, que as rusgas com o Supremo podem se transformar num dos temas das próximas eleições nacionais.
Em outra frente, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) ampliou as reclamações contra o ministro Alexandre de Moraes e anunciou a apresentação na Câmara de uma proposta que confronta decisões do ministro.
O acirramento do conflito entre a OAB e Moraes ocorre a menos de um ano das eleições da Ordem, que definirão os próximos conselheiros federais e as cúpulas estaduais da entidade da advocacia.
Julia Chaib/Victoria Azevedo/Thaísa Oliveira/Catia Seabra/Folhapress
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