Em meio a uma disputa diária de facções criminosas por bairros em Salvador, um gesto com os dedos pode se converter em uma sentença de morte. Integrantes do Bonde do Maluco (BDM) e do Comando Vermelho (CV), dois maiores grupos criminosos presentes na capital, usam os dedos para saudações que os identificam e, de quebra, provocam os rivais. Por isso, ter registros de gestos de uma facção podem significar sua morte, caso esses sejam localizados por traficantes do grupo rival. Caso da mulher, ainda não identificada, que foi executada no Engenho Velho da Federação, na Rua Neide Gama, na noite de terça-feira (9).
A vítima teria sido abordada por traficantes do CV no local que examinaram seu aparelho telefônico e encontraram vídeos em que ela faz um sinal em referência BDM. Depois, a mulher foi encontrada morta com dezenas de tiros na cabeça. A ocorrência foi registrada pela Polícia Militar, que não confirmou autoria e motivação do crime. O sinal de saudação ao BDM usa o polegar, o indicador e o dedo médio para formar o três, referência ao ‘Tudo 3’, uma expressão usada para afirmar a presença e o domínio da facção sobre determinada área.
Há menos de dois meses, no fim de fevereiro, uma outra mulher foi morta por fazer o mesmo sinal. Em transmissão ao vivo em uma rede social, Lorena Rabelo dos Santos, 26 anos, fez provocação ao CV no bairro de Massaranduba, ‘chamando’ criminosos do grupo rival para confronto no bairro. No dia 23 de fevereiro, ela e o companheiro Everton Silva de Araújo, foram executados na frente dos dois filhos em ataque que teria sido promovido pelo grupo rival ao BDM.
A reportagem teve acesso ao vídeo em que Lorena aparece fazendo a saudação que teria motivado o ataque. "É o Bonde [BDM]! Bonde é do Maluco. Brota nos acessos que é bala em você toda vida. [...] Tem troco para fuzil? Tem troco para 40?", diz Lorena durante uma transmissão ao vivo, fazendo alusão ao armamento do BDM.
Antônio Jorge Melo, especialista em segurança pública e coronel reformado da PM, afirma que, pelos casos das duas mulheres, é possível dimensionar o risco de uma saudação em referência a qualquer organização criminosa. Para ele, um gesto do tipo representa perigo porque, dentro da conduta de criminosos, é visto como um desafio que precisa ser respondido da forma mais agressiva possível.
“A exposição na era das redes sociais representa um risco. Nesse caso, ainda mais porque, como essas facções criminosas elas buscam o controle territorial, eles não admitem a presença de alguém que tenha ligações com outras facções rivais. Não toleram até mesmo que façam referência a outros grupos, quando apenas por ostentação tiram fotos ou fazem vídeos com sinais dessas facções”, afirma ele, que também é coordenador do curso de Direito da Estácio
Há casos em que nem é preciso fazer um dos gestos para acabar morto. No início de março, um homem identificado como Pedro Lacerda acabou morto com 50 tiros na cabeça no bairro da Santa Cruz por estar em um paredão do CV enquanto era morador do Tororó e conhecia membros do BDM que atuavam onde ele residia. Melo destaca que qualquer ligação pode ser definitiva para um homicídio como os citados acima.
“Até mesmo cortes de cabelo e de sobrancelha com determinados números de ‘riscos’, se usados em uma área que é dominada por facção, representam um sério perigo. Esse exemplo [da morte da mulher] nos traz uma prova disso. Então, o conselho que dou às pessoas de um modo geral é que evitem essa exposição nas redes sociais, principalmente exposições desse tipo que, inevitavelmente, vai colocá-los na alça de mira desses grupos criminosos”, completa.
O caso de execução na Rua Neide Gama aumenta números de violência armada no Engenho Velho da Federação. De acordo com dados do Instituto Fogo Cruzado, o Engenho Velho da Federação lidera o ranking de bairros como maior número de tiroteios, junto com Fazenda Grande do Retiro e o bairro de Paripe, onde foi mapeado o mesmo número de tiroteios. Os 15 tiroteios no Engenho Velho da Federação resultaram em sete mortos e dois feridos.
Correio
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