Caso Marielle: Lessa nega ligação de ex-vereador com homicídio e se desvincula de Rogério Andrade

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O ex-policial militar Ronnie Lessa afirmou em sua delação premiada que o ex-vereador Cristiano Girão não tem relação com o homicídio do qual é acusado –e pelo qual foi preso em 2021. O delator também minimizou sua vinculação com o bicheiro Rogério Andrade, de quem é tido como sócio e segurança.

Tanto Girão quanto Andrade chegaram a figurar como suspeitos de envolvimento na morte da vereadora Marielle Franco (PSOL) e seu motorista Anderson Gomes. Eles foram incluídos na investigação sobre o duplo homicídio justamente por terem mantido, segundo o Ministério Público, outras relações criminosas com Lessa.

As declarações contrariam denúncia feita pelo Ministério Público do Rio de Janeiro contra Girão e o contexto feito pela Promotoria sobre a relação entre Lessa e Rogério Andrade em acusação contra o bicheiro.

As afirmações fazem parte do acordo de colaboração premiada fechado pelo ex-PM com a Polícia Federal no qual ele assumiu ter matado Marielle e Anderson.

Lessa apontou o conselheiro do TCE-RJ Domingos Brazão e o deputado federal Chiquinho Brazão como mandantes do assassinato. Eles negam. A TV Globo veiculou vídeos sobre este anexo da delação. Há lacunas nas provas de corroboração sobre a participação dos irmãos no caso.

Além do caso Marielle, Lessa falou sobre os crimes dos quais é réu. Um deles se refere à morte do ex-PM André Henrique da Silva Souza, conhecido como André Zóio, miliciano envolvido na disputa pelo controle da região de Gardênia Azul contra Girão.

Girão foi denunciado pelo Ministério Público sob acusação de contratar Lessa para matar do rival e sua companheira. O crime ocorreu em 2014.

A prisão de Girão sob acusação da morte de André Zóio e sua ligação com Lessa levou Freixo a ressaltar a importância do vínculo entre os dois para a solução do caso Marielle.

“Esse assassinato mostra que Girão e Lessa, o executor de Marielle e Anderson, são parceiros em atividades criminosas. Essa descoberta pode ajudar a entender quem mandou matar Marielle e qual a motivação. Seguiremos firmes na luta por Justiça!”, afirmou em 2021, após a prisão.

O ex-vereador foi um dos primeiros a ser preso e condenado, em 2009, em razão das investigações da CPI das Milícias, presidida pelo ex-deputado Marcelo Freixo (PT), de quem Marielle era assessora. Ele foi solto em 2017.

Lessa, porém, desvinculou Girão do crime contra André Zóio e disse que não conhece o ex-vereador pessoalmente.

“Eu particularmente não conheço, não quero conhecer. Não conheço seu tom de voz, não conheço sua altura. O que eu tenho dele é simplesmente informações de que ele é um cara arrogante e esse tipo de comportamento não me atrai de jeito nenhum”, afirmou Lessa aos investigadores.

“Não tenho interesse nenhum em preservá-lo”, disse o ex-PM.

Ele afirmou que matou André Zóio por iniciativa própria. Segundo o relato, Lessa se recusou a aceitar ceder para ele uma participação nos lucros de máquinas de músicas e fliperamas que mantinha em Gardênia Azul.

O delator disse que, por esse motivo, o miliciano teria preparado sua morte. O ex-PM afirma que ele foi armado em sua direção num bar, mas desistiu de cometer o crime, em sua interpretação, porque estava acompanhado do filho de 11 anos. Após uma discussão, Lessa disse que decidiu matá-lo, para evitar uma nova emboscada.

ROGÉRIO ANDRADE

Em outro anexo, o ex-PM também busca se desvincular de Rogério Andrade. Ele reconhece que o bicheiro autorizou a instalação de um bingo na Barra da Tijuca, mas nega que mantivesse relação próxima com ele ou mesmo que tenha sido seu segurança.

A suspeita de que Lessa integrava a tropa de policiais mantidas pelo bicheiro se deve ao fato de o ex-PM ter sofrido um atentado a bomba com “modus operandis” semelhante ao sofrido por Rogério Andrade. O delator perdeu a perna numa explosão em outubro de 2009. Em abril de 2010, ataque semelhante vitimou o filho do bicheiro que o acompanhava no carro.

Lessa afirma que conheceu Rogério Andrade apenas depois do atentado em 2010. Ele afirma que os dois se encontraram para tentar, juntos, identificar o autor das explosões.

“Então, em 2010, eu busquei essa aproximação. De perguntar para ele: ‘Por que tentaram te matar? A bomba’. Porque eu também tinha essa pergunta, e ele também tinha essa dúvida: ‘Quem é esse cara que sofreu um atentado igual ao meu?’ Como eu disse, uma coisa bem atípica. A gente não está no Oriente Médio. A gente tá no Brasil. Então, a princípio, tirando a bomba do Riocentro, era a primeira explosão a bomba, um atentado, uma coisa assim exagerada”, disse ele aos investigadores, em vídeo obtido pela reportagem.

Para o ex-PM, o uso do mesmo método para atingir os dois criou o que ele chamou de “mística” sobre a ligação entre ambos.

“Muita gente criou a mística de que eu estava até no carro dele. […] Que eu era segurança dele. […] Ou seja, uma confusão danada. Um mix de especulações. E hoje, muita gente pensa que eu era segurança do Rogério Andrade. Não, eu nunca trabalhei para ele. É a grande realidade”.

Ele afirma que, nessa época, teve dois encontros com Andrade. O primeiro, para trocar impressões, e o segundo após a morte do sargento Volber Roberto da Silva Filho durante uma ação policial para prendê-lo. O militar era o principal suspeito de ter planejado o atentado contra Rogério Andrade.

Lessa afirma que foi alvo do sargento porque estava envolvido, quando ainda era policial, na apreensão de minas terrestres, granadas e munições desviadas por Volber.

O terceiro e último encontro com Andrade, segundo o relato de Lessa, foi feito para confirmar a autorização para o funcionamento do bingo que montou na Barra da Tijuca. O ex-PM afirma que havia se associado ao filho do bicheiro, Gustavo de Andrade, mas queria ter certeza em relação à autorização do pai para a sua atuação.

O bingo acabou sendo fechado no dia da inauguração, mas as máquinas foram recuperadas após, segundo o delator, o pagamento de propina para policiais.

O caso gerou a Operação Calígula, cujo desdobramento em agosto de 2022 levou à prisão de Rogério Andrade. Ele foi solto posteriormente.

A investigação levou Andrade a ser incluído no rol de suspeitos da morte de Marielle. A força-tarefa montada para investigar o homicídio afirmava que Lessa e o bicheiro atuavam juntos pelo menos desde 2009 e se reaproximaram no mês seguinte à morte da vereadora para a montagem do bingo.

“Desde o primeiro momento que essa equipe assumiu o caso, revisitamos tudo o que foi produzido. É fato notório e público o vínculo entre eles, entre o Ronnie Lessa e o chefe da organização criminosa que figura como 01 dessa denúncia, o Rogério de Andrade”, disse, na ocasião, o promotor Diogo Erthal.

“Por óbvio, essa é uma das linhas de investigação. Mas, nesse momento, nós não temos elementos para dizer nem que sim, nem que não. Se a resposta fosse sim, nesse momento ele estaria sendo denunciado por outro crime”, continuou ele durante entrevista coletiva.

Italo Nogueira/Folhapress

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