O ministro Rui Costa (Casa Civil) recebeu neste ano um prefeito da Bahia a cada dois dias úteis, abrindo espaço em sua agenda até para gestores de municípios com menos de 10 mil habitantes.
Os encontros ocorrem no momento em que o governo Lula (PT) enfrenta críticas por falta de coordenação e falhas na articulação política.
A falta de coordenação chegou a ser exposta pelo próprio presidente, que cobrou que os ministros parassem de anunciar novos projetos e executassem aqueles já lançados.
O início do ano também foi marcado por disputas entre ministros, troca de farpas públicas, além de dificuldades medidas em pesquisas de popularidade.
Na Casa Civil, Rui Costa coordena ações do governo e está à frente do Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), a principal vitrine do terceiro mandato de Lula.
Mesmo com seu papel central na Esplanada, o ministro dedica parte da agenda para encontros com autoridades da Bahia, estado que governou por oito anos. Em 2024, Costa recebeu em seu gabinete 43 prefeitos do estado, todos da base aliada e de municípios de pequeno e médio porte.
Alguns desses encontros aconteceram em momentos em que o governo enfrentava crises, como a recente disputa envolvendo a Petrobras.
As reuniões de Costa foram registradas na agenda oficial e reunidas pela Folha em levantamento. O ministro já se reuniu com 114 prefeitos baianos desde que assumiu o cargo, o que representa mais de um quarto do total de municípios do estado.
Não constam nas agendas, no entanto, encontros no Planalto com o prefeito de Salvador, Bruno Reis (União Brasil).
Todos os ministros políticos têm o hábito de receber autoridades do seu estado. A Casa Civil é considerado o ministério mais importante no Palácio do Planalto, pela atribuição de coordenação dos outros 37 ministérios.
O espaço na agenda destinado aos prefeitos é maior do que ao reservado por Costa a muitos ministros da Esplanada, como Silvio Almeida (Direitos Humanos), Anielle Franco (Igualdade Racial) e Márcio França (Empreendedorismo, Microempresa e Empresa de Pequeno Porte). Nenhum deles foi recebido pelo chefe da Casa Civil neste ano, segundo sua agenda.
Integrantes do governo costumam ironizar que a Casa Civil tornou-se uma “República da Bahia”, tamanha é a relevância do estado no ministério e a presença de baianos nos diferentes escalões. Os secretários e assessores mais próximos de Costa são do estado ou moram em Salvador.
As reuniões no Planalto com o governador Jerônimo Rodrigues (PT), com secretários estaduais e municipais, vereadores e pré-candidatos também foram repetidas.
Neste ano eleitoral, o PT intensifica os esforços para garantir que municípios menores continuem com o arco de alianças do partido na Bahia.
O estado historicamente dá ampla margem e votação para o partido, e é considerado essencial para garantir vitória em 2026, seja qual for o candidato à sucessão de Lula.
Nesses encontros de Rui Costa com prefeitos baianos, há ainda quem tenha sido recebido mais de uma vez, como é o caso de Fernanda Silva Sá (PP).
De Wanderley (BA), com pouco mais de 10 mil habitantes, ela já esteve com o chefe da Casa Civil três vezes neste ano.
Uma dessas reuniões, em 12 de abril, aconteceu na semana em que a crise da Petrobras estava no seu auge.
O episódio envolvia especulações sobre a queda do presidente da companhia, Jean Paul Prates, e opôs os dois principais ministros de Lula: Costa e Fernando Haddad (Fazenda).
Ela foi recebida ao lado de mais dois prefeitos e cinco pré-candidatos. Segundo a agenda oficial, o encontro durou 45 minutos.
Participantes da reunião saíram de lá anunciando, em suas redes sociais, novidades e novos investimentos.
Naquele mesmo dia, ocorria mais um capítulo da crise na Petrobras, com a informação de que Jean Paul Prates permaneceria no cargo. Isso representou uma derrota para Rui Costa, que era contrário à sua permanência, assim como Alexandre Silveira (Minas e Energia).
Interlocutores no governo apontam que Rui Costa é um dos ministros que mais trabalham, começando cedo a sua jornada e seguindo no Planalto até tarde. No entanto, criticam o fato de que ele ainda mantém os assuntos da Bahia como prioridade, apesar das demandas do governo federal.
Aliados, por sua vez, atribuem a agenda com autoridades do estado ao fato de que ele foi oito anos governador e dizem que é praxe esse tipo de encontro. Ademais, pontuam que o ministro tem ainda pretensões eleitorais, como conquistar uma vaga no Senado.
Eles alegam que os encontros são importantes do ponto de vista simbólico, para fazer foto, e que o ministro não pode se afastar da base —o que é relevante não só para ele, mas para o PT e Lula.
O partido garantiu 60 dos 417 municípios baianos nas últimas eleições. Mas o arco de alianças com PSD e Avante tem a maioria do interior do estado. A capital, Salvador, e os maiores municípios estão mais alinhados com o grupo político de ACM Neto (União Brasil).
De acordo com auxiliares do ministro, as agendas ocorrem normalmente no início do dia, por volta das 8h, ou à noite, perto das 21h, depois que Lula deixou o palácio.
Os encontros devem continuar nesse ritmo até o meio do ano, quando começam restrições eleitorais e reuniões no Planalto podem ser eventualmente questionadas.
O que pode eventualmente desacelerar a romaria de prefeitos, secretários e vereadores baianos ao Planalto é a crise com a Câmara dos Deputados. No final de abril, o presidente da casa, Arthur Lira (PP-AL), rompeu com o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais), levando Costa a entrar na articulação política.
O senador Ângelo Coronel (PSD-BA) afirma que, quando prefeitos vão para Brasília, os encontros são com todas as autoridades do estado na capital —como ele e o senador Jaques Wagner (PT-BA) também.
Além disso, diz ser incomparável a agenda de Rui Costa com outros ministros, em relação ao encontro com prefeitos, uma vez que a Bahia é o quarto estado com maior número de municípios.
“Quando o cara é do seu estado de origem, até por questão de deferência tem que atender um conterrâneo. Vai comparar a agenda do Rui com a do Márcio Macêdo [ministro da Secretaria-geral], estado pequeno [Sergipe]?”, disse.
A Casa Civil não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Renato Machado e Marianna Holanda/Folhapress
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