O senador Sergio Moro (União-PR) diz que vai trabalhar com veemência contra a proposta que quer proibir a delação premiada de pessoas presas, resgatada nesta semana pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).
O projeto tem sido defendido por bolsonaristas que acreditam que uma eventual aprovação pode anular a delação feita pelo tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), e beneficiar o ex-presidente.
O ex-juiz da Lava Jato, operação que se notabilizou pelo uso dos acordos de leniência, afirma à coluna que o projeto “é um grande erro em vários aspectos”. Caso ela chegue ao Senado, afirma, seu voto já é certo: “Votarei contra e com veemência”.
“A meu ver, esse projeto não está sendo muito bem pensado pelos seus defensores. Não terá o efeito pretendido e ainda prejudica a ampla defesa e o combate à criminalidade. Não serve a nada”, diz Moro.
O senador afirma que o texto, se avançar, será apenas um desgaste político para o Congresso. E diz que irá conversar com seus pares “para esclarecer” a questão. “Tem pessoas bem-intencionadas defendendo o projeto, que entendem que há uma espécie de risco nisso aí. Mas creio que o remédio não é esse”.
Na avaliação de Moro, a hipótese de o projeto anular a delação de Cid é inviável, já que uma lei não teria o condão de invalidar acordos anteriores à sua promulgação.
“É o ato jurídico perfeito, está na Constituição. A lei nova não afeta o ato jurídico perfeito, ou a coisa julgada. A colaboração que foi feita não seria, de maneira nenhuma, afetada. Ainda que o legislador queira colocar isso expressamente na lei, haveria uma violação da Constituição”, afirma o senador.
“Seja —se é que o objetivo é esse— para invalidar a colaboração do Cid ou uma colaboração anterior feita contra o [presidente] Lula [PT], por exemplo, na Operação Lava Jato”, completa.
No caso da força-tarefa, o parlamentar ainda faz a ressalva de que boa parte das pessoas que fecharam os acordos de leniência o fizeram enquanto respondiam aos processos soltas.
Moro diz que a experiência internacional é contrária a esse tipo de proibição e destaca que o caso mais célebre de uma delação já realizada é o de Tommaso Buscetta, que delatou a máfia siciliana Cosa Nostra na década de 1980, justamente depois de ser preso.
“Aquilo possibilitou, pela primeira vez, que se tivesse conhecimento da estrutura interna da máfia. O depoimento e as provas que ele providenciou foram extremamente importantes”, afirma o senador. “Só isso já recomendaria que se pensasse duas vezes”.
O ex-juiz defende que a delação premiada não é apenas uma forma de se obter provas, mas também um instrumento de defesa —e diz que uma pessoa não pode ter esse direito cerceado pelo simples fato de estar sob custódia.
“A meu ver, não passa no teste de constitucionalidade de ampla defesa. É a mesma coisa de dizer que um réu preso não pode confessar. Como não pode confessar? Ele não pode se defender, então? E se a defesa dele exigir que ele colabore, [entender que] a melhor saída para ele seja essa, do ponto de vista processual?”, questiona.
Na quarta-feira (5), Lira incluiu na pauta do plenário da Casa um requerimento de urgência para discutir o tema. A ordem do dia, no entanto, foi encerrada sem que houvesse uma deliberação.
De autoria do então deputado Wadih Damous (PT-RJ), atual secretário Nacional do Consumidor no governo Lula, a proposta foi elaborada no contexto da Operação Lava Jato, em 2016.
Além de vedar a delação, ela também criminaliza a divulgação do conteúdo dos depoimentos colhidos no âmbito de acordos de colaboração premiada, pendente ou não de homologação judicial.
Mônica Bergamo/Folhapress
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