O presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, sinalizou que é contra o Projeto de Lei (PL) 1904, que tramita na Câmara dos Deputados e quer colocar um teto de 22 semanas na realização de qualquer procedimento de aborto legal no Brasil, mesmo em casos de estupro.
Nesta sexta (14), em meio a polêmica sobre o projeto, o ministro compartilhou em suas redes sociais uma reportagem da Agência Brasil que mostra que, a cada oito minutos, uma mulher é vítima de estupro no país. “A barbárie já foi longe demais”, publicou, sem citar a proposta diretamente. “O Brasil não merece isso”, escreveu no X (antigo Twitter).
O PL estipula que uma vítima de abuso sexual que opte pelo procedimento acima do prazo de 22 semanas sofra reclusão de seis a 20 anos. Já a pena prevista para estupro no Brasil é de seis a 10 anos. Quando há lesão corporal, de oito a 12 anos.
Na quarta (12), o plenário da Câmara dos Deputados aprovou um requerimento para que o projeto tramite em regime de urgência.
Hoje, o aborto só é permitido em três situações, que são gestação decorrente de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia fetal. Para todos esses cenários, não há limite da idade gestacional para a realização do procedimento.
Desta forma, é no tempo de gravidez que mira o projeto, de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ).
Agora, o mérito do projeto segue para votação na Casa e ainda precisa ser aprovado no Senado, além de ser sancionado pelo presidente Lula.
A doutora em direito penal pela USP (Universidade de São Paulo) Heidi Florêncio Neves afirmou à Folha que as vítimas em caso de estupro são, em sua maioria, menores de idade.
Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostra que 61,4% das vítimas de estupro no país têm de 0 a 13 anos. Entre seus agressores, 86,1% são conhecidos e 64,4%, familiares.
Por isso, segundo a especialista, o projeto de lei, se aprovado, estaria obrigando crianças e adolescentes a prosseguirem com uma gestação resultante de estupro.
Após uma série de mobilização e críticas ao projeto, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), minimizou a aprovação da urgência do projeto e disse que é o relator quem dará “o tom” do texto final.
“O sentimento da Casa não é para avançar para liberação do aborto e também não é para descumprir os casos que já são permitidos hoje em lei”, disse ele em entrevista à imprensa na quinta (13).
Lira não antecipou quem deve ganhar a relatoria, mas disse que já tem um compromisso com a bancada feminina de que será uma mulher, e de uma ala “moderada”.
Manifestações contra a proposta foram chamadas em várias cidades do país, como Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Florianópolis, Manaus e Recife.
Já o autor do projeto de lei disse que defenderá o aumento da pena para o crime de estupro para 30 anos. A proposta seria incorporada ao texto contra a interrupção da gestação que tramita na Câmara.
O aborto chega ao centro das discussões na Câmara como parte de um compromisso entre Lira, e a bancada evangélica, firmado quando ele disputou a reeleição para o comando da Casa. A demanda é atendida no momento em que o alagoano busca fazer um sucessor.
Ex-presidente da bancada evangélica e uma das principais lideranças do segmento no Congresso Nacional, Sóstenes afirmou à coluna que a proposta é também um teste para o presidente.
“Será um bom teste para o Lula provar aos evangélicos se o que ele assinou na carta era verdade ou mentira”, afirma Cavalcante, em referência ao documento lançado pelo petista durante as eleições de 2022 em que firmou uma série de compromissos com o eleitorado protestante.
Ainda na quinta (13), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que o projeto, se aprovado, vai passar pelas comissões da Casa e será tratado com “cautela”. Ele afirmou que uma matéria dessa natureza “jamais” iria direto ao plenário.
“Há uma diferença evidente entre matar alguém, alguém que nasce com vida, que é o crime de homicídio, e a morte do feto através do mecanismo, do método de aborto, que também é um crime. Mas são duas coisas diferentes. Toda essa cautela nós temos que ter. E evitarmos legislar em matéria penal pautados pela emoção ou pela circunstância do momento.”
Mônica Bergamo, Folhapress
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