O presidente da Âmbar Energia, Marcelo Zanatta, e o diretor da companhia Cristiano Souza participaram neste ano de reuniões com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e com secretários da pasta fora da agenda oficial antes de o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinar uma MP (medida provisória) que beneficia a empresa em uma recente aquisição.
A informação foi publicada primeiro pelo jornal O Estado de S. Paulo a partir de registros de entradas no ministério obtidas pelo partido Novo via Lei de Acesso à Informação e confirmada pelo jornal Folha de S.Paulo.
A companhia de energia Âmbar faz parte do grupo J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, e recentemente comprou um conjunto de termelétricas da Eletrobras no Amazonas em uma transação de R$ 4,7 bilhões.
Quatro dias depois da aquisição, no dia 13 de junho, o governo Lula enviou ao Congresso a MP 1.232, que altera uma série de regras no mercado de energia local, uma delas voltada à Amazonas Energia, concessionária de distribuição do estado que compra cerca de 30% da energia das termelétricas, agora dos Batista.
A Amazonas Energia é uma empresa em dificuldade financeira e tem uma série de pendências com as termelétricas do estado. A vendedora das usinas à Âmbar, a Eletrobras, tem provisões de centenas de milhões em dívidas da empresa.
A MP flexibiliza uma série de condições para garantir a viabilidade econômica da Amazonas Energia. O texto ainda permite a transferência do controle societário como alternativa à extinção da concessão. Uma iniciativa desse tipo era vista como necessária pelo setor devido à situação da empresa e das condições de mercado no estado, sujeito a entraves como um elevado patamar de furto de energia.
Mas especialistas dizem que a MP abre caminho para que contratos de compra de energia térmica dos ativos adquiridos pela J&F passem a ser totalmente bancados pelo conjunto dos consumidores do Sistema Interligado Nacional.
A medida deve aumentar não apenas a conta de luz dos clientes residenciais do Brasil, como também para comerciais e industriais, afetando ainda mais os consumidores de todo o país, já que as empresas podem repassar o preço para seus produtos.
Segundo a reportagem apurou, além da J&F, participaram das negociações para a compra da termelétricas o BTG Pactual e a Eneva. No fato relevante em que anunciou a venda dos ativos para a Âmbar no dia 10 de junho, a Eletrobras disse que a alienação dos ativos resultou “de um processo competitivo, com alto engajamento, iniciado em julho de 2023”.
Procurado, o Ministério de Minas e Energia não se manifestou sobre a vitória da Âmbar na competição nem sobre o teor das tratativas nas reuniões que aconteceram na pasta neste ano fora da agenda.
Pelos registros de entradas no ministério acessados pela reportagem, foram quatro reuniões da Âmbar neste ano na pasta fora da agenda oficial, sendo uma delas com o ministro Silveira, no dia 29 de maio, menos de duas semanas antes da compra dos ativos da Eletrobras pela companhia dos Batista.
Além das reuniões neste ano, ao longo de 2023, o presidente da companhia e o diretor Cristiano Souza participaram de outros encontros na pasta, alguns deles dentro da agenda oficial.
Um deles, no dia 25 de julho do ano passado, antes da divulgação de relatório pela pasta sobre medidas cabíveis para solucionar a situação da Amazonas Energia, o secretário Nacional de Energia Elétrica do ministério, Gentil Nogueira de Sá Júnior, se reuniu pela manhã com representantes da Amazonas Energia e da Eletrobras e, pela tarde, com o presidente da Âmbar.
De acordo com a agenda de Gentil Nogueira, o objetivo da reunião era tratar de “prática de atos no âmbito de processos administrativos ou judiciais, na forma estabelecida na legislação processual”.
Além de Gentil e de Silveira, os executivos da Âmbar se encontraram entre 2023 e este ano com o atual secretário-executivo da pasta, Arthur Cerqueira Valério, e com o ex-número 2 de Silveira, Efrain Cruz.
Questionada pela reportagem, a Âmbar não informou o conteúdo do que foi discutido nessas reuniões, disse apenas que nunca tratou do tema da MP com o ministério. E chamou de “descabidas” e de “especulações” as notícias a respeito da Medida Provisória e o negócio realizado pela Âmbar. “Não fazem sentido técnico e econômico, por diversos fatores”, declarou a companhia por meio de nota.
“A Âmbar realizou um negócio privado, com uma empresa privada, após um acirrado processo competitivo que envolveu propostas vinculantes de diversos grupos econômicos, dada a atratividade dos ativos ofertados”, completou.
A empresa disse que o Ministério de Minas e Energia e a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) montaram um grupo de trabalho que conclui por meio de relatório divulgado em fevereiro deste ano que havia três alternativas para solucionar a situação da Amazonas Energia.
A solução passava pela caducidade do contrato de concessão e relicitação; intervenção na concessionária e relicitação; e flexibilização dos parâmetros regulatórios, para atrair potenciais novos interessados em assumir a concessão sem que a União tenha que arcar com seus passivos.
Segundo a Âmbar, qualquer dessas soluções resolveria os riscos de crédito perante as usinas envolvidas na aquisição pela companhia do grupo J&F.
“Todos os agentes do mercado elétrico tinham conhecimento, inclusive pela imprensa, de que uma solução para a sustentabilidade econômica da Amazonas Energia era urgente e iminente. O risco de crédito da distribuidora perante as usinas geradoras, portanto, era temporário”, argumentou a empresa.
Stéfanie Rigamonti/Folhapress
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