Candidata negra perde vaga para cargo de docente na Ufba por liminar da Justiça

Lorena Pinheiro

 

A doutora em Ciências da Saúde Lorena Pinheiro foi impedida por uma liminar da Justiça de ser nomeada professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (Famed-Ufba). Apesar da aprovação no concurso através da reserva de cotas, a médica otorrinolaringologista, que é negra, teve o seu direito à vaga contestado por uma candidata da ampla concorrência.

Com apenas uma vaga disponível para a professora adjunta na área de otorrinolaringologia, Lorena ficou em quarto lugar entre todos os candidatos e, por conta da lei de cotas, teria a preferência, conforme previa o edital do processo seletivo. No entanto, no último dia 21 de agosto, à espera da nomeação, a médica foi surpreendida por uma decisão da 1ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária da Bahia favorável à candidata Caroline Cincurá, que passou em primeiro lugar na ampla concorrência.

 "Em virtude de a Ufba ter oferecido apenas 01 (uma) vaga para o cargo de professor de médico otorrinolaringologista, a aplicação dos percentuais de 20% e de 5% de reserva para negros e deficientes não pode suprimir a primeira classificação de livre concorrência", diz um trecho do documento da Justiça. Mesmo assim, Lorena se sentiu “completamente violada”.

 A ação foi impretrada por Cincurá, que assumiu a vaga no lugar da cotista.

Lorena Pinheiro ficou em quarto lugar na ampla concorrência e na primeira colocação na reserva de cotas
Lorena Pinheiro ficou em quarto lugar na ampla concorrência e na primeira colocação na reserva de cotas Crédito: Diário Oficial da União de 13 de agosto

O concurso ofertou 30 vagas em seis áreas diferentes, com 20% dos cargos destinados a pessoas negras. No próprio Diário Oficial da União que anunciou os resultados, a regra é explicita: "Vagas: 1, sendo esta preferencialmente ocupada por candidato autodeclarado negro, conforme Lei nº 12.990/2014 e Edital nº 01/2023".

Durante o processo judicial, a Ufba defendeu que a seleção ocorreu corretamente, se posicionando de forma contrária à decisão da liminar. "Pelo exposto, concluímos que não houve qualquer irregularidade por parte desta UFBA quanto aos trâmites relacionados ao concurso oferecido pela Faculdade de Medicina da Bahia", afirmou. Ainda assim, a instituição acatou a imposição judicial. Procurada, a Ufba não retornou através da sua assessoria para comentar o caso.

"Não basta eu ter feito mestrado e doutorado, eu ter sido aprovada no concurso, não bastou que meu nome fosse publicado no Diário Oficial como sendo a primeira. Isso foi desfeito, isso foi por água abaixo", desabafou a médica, em vídeo publicado nas suas redes sociais. A doutora em Ciências da Saúde afirmou que tomará as medidas legais necessárias para contestar a liminar na Justiça.

O CORREIO tentou contato com Caroline Cincurá, mas não obteve resposta. O espaço segue aberto para a médica expor a sua versão dos fatos.

Lei de Cotas

Lorena seria a primeira professora cotista da história da Faculdade de Medicina da Bahia. Conforme dados do Conselho Federal de Medicina, apenas 3% dos concluintes de medicina são negros no Brasil. A médica afirma que o dado evidencia o racismo estrutural. "É raro a presença de doutores negros. É raro a presença de professores médicos negros. As cotas mudaram a cara da universidade. Quando a gente traz esse panorama, da primeira cotista negra virar docente, a gente vê que tem uma estrutura social que impede a gente", diz.

As cotas para concursos públicos de magistrados superiores foram implantadas em 2014, pela lei 12.990, que estabelece 20% dos cargos para negros, pardos e indígenas. De acordo com o mestre em sociologia pela Ufba Umeru Bahia, a partir do momento em que há apenas uma vaga para determinada função, é possível que o cotista tenha seu direito negado.

"Se há uma vaga, não há como aplicar a reserva de 20% de vagas para pessoas negras, por exemplo, como o caso da Ufba. Porém, isso não pode ser considerado correto em termos dos objetivos constitucionais para equidade e não segregação racial e social das variadas etnias existentes em nosso grande território", opina.

Umeru sugere que o problema não está na lei de cotas, mas no sucateamento do ensino superior no país e a falta de oportunidades ofertadas. "A quantidade de vagas ofertadas produz variados fenômenos sociais e impõe muitas dificuldades para o acesso de pessoas negras. As universidades devem ter mais diversidade na docência para que possam de fato exercer o pluralismo e universalismo presentes em seus princípios e objetivos elementares", evidencia. Ele ainda enfatiza que a universidade é "espaço de reprodução de fenômenos sociais, como a desigualdade racial e econômica".

Com orientação da subeditora Fernanda Varela\Correio

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