A elaboração do Orçamento de 2025 provocou uma crise entre ministérios do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com ameaças de paralisia de atividades e serviços públicos em função dos cortes planejados pela equipe econômica. Órgãos alegam que os recursos do Orçamento para o próximo ano, que será enviado ao Congresso no dia 30 de agosto, não são suficientes – o que pode prejudicar desde o atendimento da Previdência Social do País até provocar falta de água e internet em prédios da Presidência da República.
O governo Lula tenta manter os investimentos com o mesmo valor de 2024 no próximo ano, priorizando obras em andamento e o Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC). Mas, para isso, decidiu cortar despesas administrativas de ministérios e autarquias, conforme documentos internos aos quais o Estadão teve acesso. Em resposta à reportagem, o Ministério do Planejamento e Orçamento afirmou que o projeto orçamentário está em processo de elaboração e não se manifestará antes do envio ao Congresso.
Os cortes planejados para 2025 se somam ao congelamento de gastos de R$ 15 bilhões decretado neste ano e que dificilmente será revertido. O aumento de despesas obrigatórias – como benefícios previdenciários e assistenciais –, além do avanço das emendas parlamentares, agrava a situação. Conforme o Estadão revelou, o governo e o Congresso adotaram uma manobra contábil que sacrificou a manutenção de órgãos federais para aumentar emendas que herdaram o espólio do orçamento secreto.
O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) recebeu um orçamento preliminar de R$ 1,9 bilhão para 2025 e afirmou que o mínimo necessário para cobrir todas as despesas é de R$ 2,4 bilhões. O valor estipulado atualmente pelo governo “não será suficiente para cumprir seus contratos em vigor até o final do exercício”, segundo o órgão afirmou em ofício interno, ao qual o Estadão teve acesso.
Um dos contratos ameaçados é com a Dataprev, que reúne uma base de dados com todos os benefícios da Previdência Social. Além disso, de acordo com o instituto, há risco de paralisação de unidades de atendimento e, no âmbito das perícias, multas por descumprimento de ordem judicial.
“Ao estabelecer um referencial monetário inferior ao necessário, esta autarquia enfrenta dificuldades em seu planejamento, pois é obrigada a incluir no Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento – SIOP um valor que não será suficiente para cumprir seus contratos em vigor até o final do exercício”, diz nota técnica do INSS, assinada pelo coordenador-geral de Orçamento do órgão, Omar Morais.
O Ministério das Comunicações também pediu acréscimos. A Telebras, que fornece internet para diversos órgãos públicos, recebeu um orçamento de R$ 299 milhões; mas, de acordo com o órgão, precisará de R$ 1 bilhão para manter as atividades programadas para o ano que vem. Se não houver a complementação, faltaria internet para 1.650 agências do INSS, prejudicando o atendimento em todo o Brasil, além de 17 mil escolas públicas, agências do Ministério do Trabalho, postos de saúde e para os prédios da Presidência da República.
“A insuficiência de dotação orçamentária para 2025 acarretará implicações negativas aos Programas Gesac e Wi-Fi Brasil deste ministério, como também de outros entes públicos, que sofrerão prejuízo, pois utilizam a prestação de serviços da Telebras para manter a conectividade dos respectivos pontos de presença às suas redes privativas, a exemplo da Dataprev, ICMBio, RNP, Abin, Ministério da Defesa, Ministério da Justiça e Presidência da República”, afirmou a secretária-executiva da pasta, Sônia Faustino Mendes, em ofício ao Ministério do Planejamento e Orçamento.
A Telebras diz que já está inadimplente com alguns contratos, situação que pode piorar em 2025. “A entidade registra, ainda, o risco real de interrupção de serviços, inclusive de conexão à Internet e às redes privativas de escolas e Unidades Básicas de Saúde (UBS), uma vez que a indisponibilidade dos recursos necessários impedirá a execução de contratos já pactuados ou contratações em andamento, fundamentais à preservação da qualidade do serviço e à manutenção da prestação dos serviços à sociedade”, complementa a secretária no documento.
As despesas não obrigatórias do Poder Executivo, que incluem investimentos e custeio da máquina pública, devem somar R$ 203,9 bilhões em 2025, de acordo com o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025. O valor precisa ser dividido entre investimentos, despesas administrativas, serviços públicos e emendas parlamentares.
Não há garantias, no entanto, que o montante será mantido. Em 2024, essa fatia de recursos da União sofreu um corte de R$ 8,4 bilhões entre o que estava previsto no início do ano e o que foi atualizado em julho.
Cortes ameaçam ações da Defesa Civil, combate ao racismo e até água no Palácio do Jaburu
O Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, que ficou com
R$ 2 bilhões no orçamento preliminar, alegou que a demanda total é de R$
5,72 bilhões para gastos administrativos e para o PAC. A falta de
dinheiro comprometerá a distribuição de água no semiárido brasileiro e
os atendimentos emergenciais da Defesa Civil em tragédias climáticas,
segundo a pasta.
“O orçamento se destina a demandas de extrema importância para a sociedade brasileira como ações de resposta, que compreendem socorro, assistência às vítimas e restabelecimento de serviços essenciais”, disse o ministério em ofício à equipe econômica.
O gabinete da Vice-Presidência da República, comandado por Geraldo Alckmin, também reclamou do valor recebido para despesas administrativas em 2025, de R$ 5,4 milhões, e pediu mais R$ 600 mil. “Tais recursos serão essenciais ao custeio de despesas contratuais desta Vice-Presidência da República e do Palácio do Jaburu, tais como fornecimento de água, energia elétrica, telecomunicações, locação de veículos, entre outras”, diz ofício do gabinete enviado à Secretaria de Orçamento Federal, que integra o Ministério do Planejamento.
O Ministério de Minas e Energia pediu mais R$ 97 milhões (de R$ 483 milhões para R$ 580 milhões) para custear atividades da PPSA, estatal responsável por comercializar o óleo da União proveniente do Pré-Sal, e outras despesas administrativas da pasta, alegando risco para o funcionamento do órgão.
O Ministério da Igualdade Racial, por sua vez, recebeu uma previsão de R$ 61,6 milhões para despesas de custeio, mas pediu um adicional de R$ 82,5 milhões para ações de combate ao racismo, ampliação de bolsas de pesquisa e campanhas publicitárias.
No Ministério dos Transportes, que concentra o maior volume de investimentos, a versão preliminar do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) indica R$ 14,6 bilhões para o PAC, mantendo os valores deste ano – mas com uma redução de R$ 200 milhões nas despesas administrativas, que inclui gastos com diárias, passagens, conta de luz, organização e supervisão de leilões.
“Isso demanda um esforço administrativo adicional, um esforço de gestão e governança maior; mas acho que estamos dentro do que já estávamos fazendo de redução de custo e não teremos dificuldades”, afirmou o secretário-executivo do Ministério dos Transportes, George Santoro, ao Estadão. Santoro pontuou que a pasta precisará fazer um esforço maior para botar de pé, por exemplo, leilões e concessões, que dependem de gastos administrativos em órgãos como a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) pediu um aumento de R$ 294 milhões, afirmando que os R$ 558 milhões previstos não são suficientes para o atendimento de todas as demandas do órgão. “Necessário ressaltar que a destinação de recursos para as atividades da Funai representa uma forma de prevenção contra possíveis prejuízos advindos da ausência do Estado em executar as políticas públicas indigenistas, tais como invasão de terras indígenas”, diz documento enviado ao Ministério dos Povos Indígenas, responsável pela interlocução com a equipe econômica.
Crescimento de gastos obrigatórios compromete restante do Orçamento
O Orçamento ainda está em elaboração e deve ser finalizado no dia 30 de agosto. Até lá, os valores podem sofrer alterações. Além disso, o volume final ainda dependerá do Congresso Nacional. No ano passado, os parlamentares cortaram verbas do PAC para aumentar as emendas e priorizaram ministérios controlados pelo Centrão.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou um corte de R$ 25,9 bilhões em despesas obrigatórias em 2025. O valor, no entanto, não deve ser direcionado para os ministérios, mas servirá para cumprir as regras fiscais. Os gastos obrigatórios, principalmente da Previdência Social, seguem pressionando o Orçamento da União.
Nota da Consultoria de Orçamentos da Câmara estima que o Poder Executivo vai ter um aumento de R$ 138,3 bilhões nas despesas de 2025 em comparação com 2024, levando-se em conta o arcabouço fiscal, que limita o crescimento anual dos gastos em até 2,5% mais a inflação.
As despesas obrigatórias, porém, devem consumir R$ 135 bilhões desse acréscimo, ou seja, quase todo o espaço. “Por ora, salienta-se a relevância das agendas de ‘revisão do gasto’ e ‘orçamentação de médio prazo’ como ferramentas consentâneas com os desafios fiscais e orçamentários contemporâneos”, diz a análise assinada pelos consultores Paulo Bijos, ex-secretário de Orçamento Federal, e Dayson de Almeida.
Daniel Waterman/Estadão Conteúdo
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