A coluna tem mostrado as suspeitas que o Ministério Público do Espírito Santo reuniu até julho sobre o juiz Maurício Camatta Rangel, do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), um dos alvos da Operação Follow The Money. A ação foi deflagrada em 1º de agosto contra uma suposta organização criminosa formada por juízes e advogados, suspeita de fraudar processos judiciais para aplicar golpes em espólios e tomar valores de heranças deixadas por pessoas falecidas.
Ao pedir à Justiça que Camatta fosse incluído na apuração, em 26 de julho, o procurador-geral de Justiça do Espírito Santo, Francisco Martínez Berdeal, delineou como ocorriam as supostas fraudes processuais com envolvimento do magistrado.
No mesmo dia que o MP apresentou o pedido, o desembargador Sérgio Ricardo de Souza autorizou que o juiz e mais cinco pessoas passassem a ser investigados. Além de Camatta, que está usando tornozeleira eletrônica, a Follow The Money mirou o juiz Bruno Fritoli, que está preso.
Segundo o chefe do Ministério Público capixaba, o esquema funcionava assim: advogados investigados no esquema apresentavam ações de cobrança ou execuções na Justiça contra pessoas falecidas, que tivessem valores expressivos em contas bancárias. Esses processos apresentavam contratos indicando as dívidas, nos quais a comarca de Vitória, onde Camatta atuava na 4ª Vara Cível, era apontada como foro para resolução de conflitos.
Para garantir que as ações fossem direcionadas ao juiz, afirma o MP, os processos eram apresentados com falhas formais, como falta de documentos e de pagamento de custas processuais e até ausência de petição inicial. Se os casos fossem direcionados ao magistrado, os erros eram corrigidos para que as ações prosseguissem. Se as ações fossem distribuídas a outro juiz, as falhas não eram corrigidas, para que o processo fosse extinto sem resolução.
Antes mesmo que os alvos das ações fossem intimados nesses processos, os advogados informavam ao juiz fraudulentamente a formalização de um acordo entre as partes. Diante dessas informações, segundo o MP, o magistrado homologava o acordo em sentenças assinadas em curtíssimo espaço de tempo. Em seguida, o juiz atendia a pedidos de urgência de indisponibilidade de ativos ou por indisponibilidade por descumprimento do suposto acordo fechado e mandava bloquear valores nas contas das pessoas falecidas ou seus espólios.
Segundo Francisco Martínez Berdeal, as ações indicam “diversas infrações penais graves”, como organização criminosa, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva, fraude processual, falsificação de documento público, falsificação de documento particular e falsidade ideológica.
Além do caso já noticiado pela coluna nessa sexta-feira (9/8), envolvendo um aposentado falecido do interior de Minas Gerais, o MP elencou alguns outros entre as suspeitas sobre o juiz. Veja detalhes sobre dois deles:
Cobrança milionária a espólio de falecida
Um dos processos citados pelo Ministério Público do Espírito Santo como exemplo de indícios de atuação ilícita do magistrado tratou de uma execução extrajudicial contra o espólio de uma mulher falecida em março de 2016. Protocolado em 30 de setembro de 2021, mais de cinco anos depois, o processo pedia R$ 3 milhões por termo de confissão de dívida por serviços supostamente prestados em setembro de 2015.
Em 4 de outubro de 2021, menos de uma semana depois de a ação chegar às suas mãos, disse o MP, o juiz Maurício Camatta Rangel determinou a indisponibilidade do dinheiro do espólio. Os herdeiros foram notificados da decisão por meio de edital, ou seja, de maneira indireta e não pessoal, segundo o Ministério Público.
Três dias depois, em 7 de outubro, o advogado que moveu a ação, Vicente Santório Filho, também investigado pelo MP, informou ao juiz que as partes haviam chegado a um acordo. Assim, Santório pediu que o dinheiro bloqueado fosse transferido a uma empresa, a Sintecstone Fabricação de Móveis LTDA, e a uma conta sua. Essa empresa, segundo o MP, tem como sócio Luiz Antonio Esperandio, sócio do advogado Ricardo Nunes de Souza, nome central do suposto esquema investigado pelo MP.
Um dia depois de receber a petição informando sobre o suposto acordo, o juiz Maurício Camatta assinou uma sentença que o homologou. Nesse caso, o MP destacou que “houve o decurso de apenas 08 (oito) dias entre a data de ajuizamento da ação (30/09/2021) e a data em que proferida a sentença de homologação do suposto acordo (08/10/2021), com determinação de expedição imediata de alvará”.
Assim como no caso do aposentado de Minas Gerais, o espólio da mulher falecida questionou o suposto acordo e conseguiu receber de volta os valores bloqueados — somente dois anos depois, em outubro de 2023.
Cobrança por venda de granito
Outro caso apontado entre as suspeitas do Ministério Público do Espírito Santo foi uma ação de cobrança apresentada no fim de janeiro de 2022 por uma empresa especializada em comércio de granito. O alvo foi uma funcionária pública aposentada de São Paulo falecida em maio de 2014.
O processo alegava inadimplência em um contrato de compra e venda de 265 metros quadrados de granito amarelo no valor de pouco mais de R$ 500 mil, transação supostamente fechada em março de 2014. A cobrança na ação foi de R$ 1,3 milhão.
Segundo o MP, em 17 de fevereiro de 2022, quase oito anos após a morte da aposentada, o advogado da empresa e o suposto advogado dela informaram ao juiz Camatta Rangel que haviam chegado a um acordo, com previsão de pagamento do valor em até 3 dias, na conta do sócio-administrador da credora. O magistrado homologou o acordo no mesmo dia, disse o procurador-geral de Justiça.
Quatro dias depois, conforme o MP, a empresa alegou o descumprimento do suposto acordo e solicitou o imediato bloqueio dos valores na conta da aposentada. No mesmo dia, o bloqueio judicial de R$ 1,1 milhão foi autorizado.
“Registre-se que a parte requerida faleceu em 09/05/2014, ou seja, em data muito anterior ao ajuizamento da ação e à formulação do suposto acordo entre as partes”, escreveu o chefe do MP do Espírito Santo. “Destaca-se o suposto comparecimento espontâneo da requerida nos autos, anuindo com acordo para pagamento integral e quase que imediato da quantia supostamente devida, bem como a ausência de documentação com foto da requerida acompanhando a procuração apresentada pelo patrono que alegava representá-la”.
Neste caso, no entanto, o dinheiro também não ficará com a empresa que o recebeu. Isso porque até 2018, quatro anos após a morte da aposentada, a conta da falecida seguiu recebendo irregularmente a pensão da qual ela era beneficiária. Os pagamentos indevidos somaram R$ 1,1 milhão, valor que deverá ser devolvido ao Tribunal de Justiça do Amazonas, autor dos pagamentos à mulher. Acionado pelo TJAM, o próprio Maurício Camatta Rangel mandou a empresa depositar o dinheiro em uma conta judicial.
A coluna entrou em contato com o escritório de advocacia que defende o juiz Maurício Camatta Rangel na quinta-feira (8/8), mas não teve retorno dos advogados. O espaço está aberto a manifestações.
Metrópoles
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