"Sou professor de inglês, espanhol, português e biologia. Tenho quarenta e um anos e moro no Brasil. Procurando amizades e novas culturas." Isso é o que está na biografia, em inglês, do diretor de escola Geraldo Dantas. Ele não menciona que é condenado por duplo homicídio e que está foragido há 15 anos, não diz que está sendo procurado por estelionato e que fez falsidade ideológica para assumir o cargo. Nem o nome é verdadeiro. Ele se chama Élio Camilo, tem 56 anos e é ex-policial militar. Mesmo com esse histórico, Élio conseguiu ser aprovado em concurso público, ensinava há 13 anos e foi promovido a diretor.
A Polícia Civil de Minas Gerais informou que Dantas, como era conhecido ultimamente, fez mais do que mentir a idade nas redes sociais. Ele foi condenado pela Justiça mineira pelo crime de duplo homicídio. Estava cumprindo pena no estado até que, em 2009, foi liberado em uma saída temporária e não retornou mais. Desde então, o assassino era considerado foragido.
Antes de chegar à Bahia, Dantas morou na cidade de Vilhena, em Rondônia, onde está sendo investigado por estelionato. Existe um mandado de prisão expedido pela Justiça de Rondônia contra ele por conta desse crime. Ele fugiu para a Bahia, onde adotou documentos falsos, prestou concurso público para a Secretaria Estadual da Educação (SEC), foi aprovado e assumiu o cargo de professor. Depois, o homicida foi promovido a diretor.
Foram 15 anos foragido até que nesta terça-feira (27) policiais civis de Minas Gerais e da Bahia e policiais federais prenderam Élio Camilo, em casa, por homicídio e estelionato. No momento da prisão, os investigadores identificaram a documentação falsa e acrescentaram o crime de falsidade ideológica à ficha do, agora, ex-diretor. Logo após a notícia da prisão a reação da comunidade escolar foi de incredulidade.
Choque
Colegas de trabalho e estudantes contaram que foram surpreendidos, disseram que não perceberam sinais e cobraram um posicionamento mais firme da Secretaria. Alunos do Colégio Estadual de Tempo Integral Octacílio Manoel Gomes (CEOMG), onde Dantas exercia o cargo de diretor, publicaram uma nota de repúdio cobrando mais transparência nas informações.
"Estamos profundamente chocados e envergonhados com a recente prisão do nosso diretor, acusado de crimes graves", começa a nota. Os estudantes dizem que "é inaceitável que uma pessoa com o histórico tão criminoso tenha liderado nossa escola por tantos anos" e afirmam que a direção do colégio e o Núcleo Territorial de Educação (NTE) estão lidando com a situação "de forma inadequada".
"Queremos deixar claro que não nos sentimos confortáveis em retornar à escola no dia seguinte sem que haja uma resposta clara e transparente sobre o que aconteceu. Essa situação não pode ser tratada como se nada tivesse ocorrido. A falta de comunicação e a tentativa de esconder os fatos são uma falta de respeito com todos os alunos, que merecem saber a verdade", diz a nota.
Nas rede sociais, pais, professores e estudantes lamentaram o ocorrido e perguntaram como uma pessoa procurada em dois estados, condenada e com mandado de prisão em aberto conseguiu ser aprovada em um concurso público e assumir a gestão de uma escola. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o município de Ubaitaba tem cerca de 17 mil habitantes. Moradores contaram que desde o ocorrido esse tem sido o principal assunto.
Um dos estudantes disse que, apesar do histórico recém-descoberto, Dantas era considerado um bom diretor. "Ele ficava a maior parte do tempo na sala dele, mas saía sempre que era preciso. Era do tipo que conversava muito com a gente, dava lições de vida e dava uma segunda chance aos alunos antes de aplicar uma suspensão. Eu não esperava por isso e acredito que ninguém esperava. Ele era bem-humorado e muito tranquilo. Ainda não dá para acreditar", contou o adolescente.
Foram 13 anos morando em Ubaitaba, onde Dantas tem esposa e filhos e onde lecionou em diferentes escolas. Um professor escreveu: "Eu fico me perguntando como esse senhor foi nomeado como diretor de uma escola respeitada como Octacílio. Fui aluno dessa escola. Passei por várias gestões e não imaginava que teria um fato desse. Fui professor também dessa escola", disse.
Prisão
A polícia não forneceu detalhes de como localizou Élio, mas o foragido era uma pessoa ativa nas redes sociais. O perfil no Instagram foi criado em 2015. Mesmo sendo procurado pela polícia mineira desde 2009, ele visitava o estado e postava fotos com amigos e familiares. Em janeiro de 2020, por exemplo, ele fez uma publicação na cidade mineira de Santa Luzia.
Élio aproveitava com frequência a praia de Maraú, no Sul da Bahia, onde postou inúmeras fotos ao lado da esposa e dos três filho. A chegada dos policiais na porta do diretor atraiu atenção dos moradores. Alguns registraram a prisão em vídeo. Os policiais disseram que ele não apresentou resistência e afirmou ter consciência de que um dia poderia ser encontrado.
Em nota, a Polícia Civil da Bahia informou que foram cumpridos dois mandados de prisão contra o homem, pelos crimes de homicídio e estelionato e que três mandados de busca e apreensão foram cumpridos, no município, onde foram apreendidas duas motocicletas e um carro. Os endereços não foram divulgados.
A polícia afirma que Élio foi encaminhado para uma unidade policial, onde está custodiado à disposição da Justiça. O local não foi informado. Já o material apreendido foi encaminhado para o Departamento de Polícia Técnica (DPT). Participaram da operação policiais da 7ª Coordenação Regional de Polícia do Interior (Coorpin/Ilhéus), da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) e da Polícia Federal.
Em nota, a Polícia Civil de Minas Gerais explicou que a ação foi resultado de um trabalho conjunto do Laboratório de Inteligência Cibernética (Ciberlab), vinculado à Superintendência de Informações e Inteligência Policial da PCMG, e da Diretoria de Inteligência Policial (DIP) da Polícia Federal (PF). As instituições se uniram em um projeto de enriquecimento e análise de dados de origens diversas, visando dar cumprimento a mandados de prisão contra criminosos foragidos da Justiça mineira. O homem localizado na Bahia é o quarto preso por meio desse projeto.
O CORREIO não conseguiu contato com o colégio. Procurada, apesar da gravidade do caso, a Secretaria Estadual da Educação (SEC) foi sucinta na resposta. Em nota, a pasta informou apenas que após tomar conhecimento dos fatos, exonerou de imediato o servidor do cargo e que está adotando todas as medidas cabíveis à situação.
O CORREIO perguntou para a SEC há quanto tempo Élio estava atuando na rede pública de ensino e por quais escolas ele passou, mas a pasta não respondeu. O CORREIO também questionou se há no sistema de educação registro de má conduta ou alguma reclamação relacionada ao suspeito, e como ele conseguiu ser aprovado no concurso mesmo sendo foragido. A SEC também não respondeu.
Correio
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