Em áudio, lobista diz que número 2 da Receita vaza informações de interesse de empresa

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Em gravação obtida pelo jornal Folha de S.Paulo, um lobista da multinacional Dentsu Tracking disse que a secretária-adjunta da Receita Federal, Adriana Gomes Rêgo, vaza informações para seu marido, Paulo Ricardo de Souza Cardoso, ex-número dois do fisco que seria uma ponte com a empresa.

Braço da japonesa Dentsu, a companhia disputa com a suíça Sicpa um contrato bilionário para a fiscalização da produção de bebidas e cigarros.

As intenções da companhia foram reveladas por uma conversa entre o CEO global da Dentsu Tracking, Philippe Castella, os consultores Paulo Zottolo e o almirante Liseo Zampronio.

O grupo foi gravado após a saída de uma reunião ocorrida na sede da Receita, em 30 de março, em que participaram Ricardo de Souza Moreira, coordenador-geral de fiscalização, Wolney de Oliveira Cruz, coordenador de estudos e gestão de projetos, e Adriano Subirá, coordenador operacional.

A reportagem teve acesso ao áudio. Nele, Castella se mostrou surpreso com uma suposta mudança de orientação da Receita, que estaria dando preferência ao sistema de monitoramento de cigarros e não de bebidas.

Na sequência, Zottolo diz que o coordenador-geral de fiscalização era novo no cargo e ainda estava sendo moldado.

“O cara que tá ali [Ricardo de Souza Moreira], é um cara que vai ser moldado”, diz Zottolo para Castella. “E o Paulo [Ricardo Cardoso, marido de Adriana Rêgo] vai fazer essa moldagem”.

Castella responde: “acho que você está certo ao dizer que o cara que conhecemos lá não tem conhecimento do assunto. Eu acho que falar que o foco da Receita Federal não seria no fumo e sim na bebida não vem dele. É uma decisão meio interna ou política, entendeu?”.

O chefe global da Dentsu Tracking, no entanto, não se mostra descontente.

“Ir para o cigarro hoje não é possível. A gente quer ir na bebida, aí, depois, a gente pode entrar no cigarro. E isso não necessariamente é ruim para nós, porque é mais contrato no fim das contas”.

Zottolo, então, tenta explicar por que não sabia dessa mudança.

“Deixe-me dizer uma coisa que está me incomodando, que me deixa muito surpreso. O cara que estava conversando com a gente é meio que novo no cargo”, disse.

“E acho que ele está tirando essas ideias da cabeça dele. E os dois caras que estavam lá não abriram a boca nem um minuto. Então, não tenho certeza se eles concordam com isso”.

Castella diz que, se a ideia não partiu de Wolney, deve ter surgido de alguém acima dele.

“Se fosse alguém acima dele, a mulher do Paulo [Adriana Rêgo] teria falado isso para ele. E o Paulo nos procurou para falar sobre o Sicobe. Paulo saberia disso”.

Por fim, o almirante Liseo Zamproni intervém e pede que Zottolo acione o advogado Valdir Simão para que ele esclareça as mudanças com Paulo Ricardo.

Simão havia participado da reunião na Receita, mas já tinha deixado do grupo no momento da gravação.

“Uma coisa que é para tirar a dúvida com o Valdir: o Paulo não sabia dessa mudança de foco, né?’, disse Zamproni.

Zottolo, então, diz que Simão iria descobrir.

Interesses

Braço da japonesa Dentsu, envolvida em escândalos no governo Michel Temer, a Dentsu Tracking tenta emplacar sua tecnologia de monitoramento da produção de bebidas e cigarros.

Neste momento, a Receita faz consultas públicas sobre uma nova plataforma de controle de produção das indústrias e se viu obrigada, por decisão recente do TCU (Tribunal de Contas da União), a retomar o Sicobe, sistema que vigorou até o fim do governo da ex-presidente Dilma Rousseff e foi desligado por força de uma portaria do fisco, em outubro de 2016, já no governo Temer.

O Sicobe é gerido pela Casa da Moeda e seu fornecedor é a suíça Sicpa, multinacional de equipamentos e insumos de segurança que fornece insumos, como tinta e papel-moeda, para diversos países, como Brasil e EUA.

A Sicpa empresa foi alvo de uma operação da Polícia Federal que investigou o pagamento de propina pela empresa para fechar o contrato anual de R$ 1,8 bilhão do Sicobe com a Casa da Moeda por meio de uma licitação supostamente direcionada.

A empresa, à época, admitiu irregularidades, mas afirmou que os diretores tomaram decisões por sua própria conta. Por isso, firmou um acordo de leniência no Brasil, Colômbia e Venezuela, países nos quais houve infrações do gênero.

Sigilo

A reportagem questionou a secretária-adjunta, Adriana Gomes Rêgo, se ela trocou algum tipo de informação sigilosa sobre o projeto de monitoramento de bebidas e cigarros com o marido, Paulo Ricardo de Souza Cardoso.

Por meio da assessoria da Receita, ela respondeu “que segue estritamente a legislação relativa a conflitos de interesses”.

A subsecretária afirma que o sistema de monitoramento está em consulta pública e um grupo de trabalho foi criado para analisar o assunto.

O ex-secretário-adjunto da Receita Paulo Ricardo de Souza Cardoso afirmou à coluna que o conteúdo da conversa gravada é uma ilação falsa e absurda.

Ele informa ser amigo de Valdir Simão, que foi seu colega na Receita Federal. “Não temos nenhuma relação comercial ou contratual”, afirmou. “Tampouco tratamos da ‘suposta posição de Ricardo Souza Moreira de defender o Sicobe’,” disse.

Simão afirma que os serviços prestados à Dentsu começaram e se encerraram em 2023, logo após a referida reunião na Receita.

“Quem quer que tenha dito esses absurdos atenta contra a reputação de gente honesta e comete crime contra a honra delas. As informações são falsas”, disse em nota.

Suposição

O consultor da Dentsu Tracking Paulo Zottolo confirmou as declarações que constam na gravação obtida pela coluna, mas disse que fazia apenas uma suposição em relação a Paulo Ricardo e a secretária-adjunta.

Ele afirmou que pretendia contratar Paulo Ricardo de Souza Cardoso, com quem almoçou uma única vez quando “estudavam contratá-lo”.

“Isso acabou não acontecendo em obediência às normas de compliance da Dentsu Tracking, uma vez que a esposa dele fora nomeada secretária adjunta da Receita Federal”, disse Zottolo.

O consultor diz ainda que Valdir Simão foi contratado em abril de 2023 para assuntos tributários e o contrato foi encerrado em dezembro daquele mesmo ano.

Zottolo considera que a Dentsu possui um sistema “estado da arte” de marcação e rastreamento. A companhia defende que o governo abra licitação para um novo contrato e quer participar do certame.

A reportagem não conseguiu contato com Zamproni.

Julio Wiziack/Folhapress

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