O acordo firmado no último mês entre os três Poderes com o objetivo de dar transparência às emendas parlamentares ocorreu enquanto a PGR (Procuradoria-Geral da República), chefiada por Paulo Gonet, mobilizava-se para abrir apurações a respeito do tema.
A iniciativa de Gonet está alinhada à intenção do governo Lula (PT) e de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) de aumentar a transparência e o controle sobre esses tipos de repasse. O presidente chegou a reclamar que o Congresso sequestrou parte do Orçamento.
Em julho, pouco antes da reunião em que se discutiu o acordo, foram protocoladas ao menos 13 investigações preliminares no STF que tratavam do assunto.
Em outra frente, a câmara do Ministério Público Federal responsável por uniformizar o combate à corrupção no país expediu, em agosto, um ofício recomentando que as unidades do órgão abram procedimentos para acompanhar o uso das chamadas “emendas Pix” pelo país.
A PGR ainda apresentou, no mês passado, denúncias contra três deputados federais do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, por corrupção relacionada a emendas parlamentares.
Foram alvos Josimar Maranhãozinho (PL-MA), Bosco Costa (PL-SE) e Pastor Gil (PL-MA), em um processo sigiloso. Essas são as primeiras denúncias contra parlamentares da PGR sob o comando de Gonet. Outras seis pessoas também foram alvo, mas não são deputados.
O caso está sob a relatoria no STF do ministro Cristiano Zanin, e todos os acusados já foram notificados para apresentar resposta. Suas defesas não têm se manifestado.
Uma determinação do ministro Flávio Dino incentivou outras investigações da PGR sobre o tema. Essa decisão permite a possibilidade, embora remota, de que apuração ligada ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) seja reaberta.
Isso porque Dino, que é relator de ações que tratam de transparências no repasse de emendas, enviou à PGR uma lista com 21 processos do TCU (Tribunal de Contas da União) “que versam sobre possíveis irregularidades em execução de recursos derivados de RP-9 (emenda de relator)”.
As emendas de relator, proibidas pelo Supremo em 2022, foram um instrumento usado para barganhas políticas entre o Congresso e o governo federal. Outro tipo de emenda, de comissão, passou a ser usada de forma parecida após o veto do STF.
Entre os processos do TCU, está o que trata do kit de robótica, que atinge pessoas ligadas a Lira. O presidente da Câmara nega irregularidades.
Em abril de 2022, a Folha mostrou que o governo Bolsonaro repassou R$ 26 milhões para sete cidades alagoanas adquirirem kits de robótica. Os municípios tinham contratos com uma empresa, a Megalic, ligada a uma família aliada ao grupo político do presidente da Câmara.
Os recursos, liberados com velocidade incomum, eram de emendas de relator, parte do orçamento controlada pelo político alagoano.
Uma investigação criminal que tratava do tema acabou sendo derrubada pelo ministro Gilmar Mendes no Supremo. Ele mandou anular todas as provas da investigação, que chegou a um assessor de Lira —a polícia encontrou, por exemplo, listas com pagamentos que seriam de contas do presidente da Câmara.
Agora, a PGR pode optar por reabrir o caso a partir do material do TCU se considerar pertinente.
Os procedimentos do tribunal de contas tratam de outros repasses federais que foram analisados, como os do programa Calha Norte, do Ministério da Defesa, as transferências ao Fundo Nacional de Saúde e a compra de equipamentos pela Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba).
Como a Folha tem mostrado em séries de reportagens, a Codevasf, anteriormente dedicada a projetos de irrigação no semiárido, foi transformada em um emendoduto dos congressistas no governo Bolsonaro e mantida com esse perfil na gestão Lula.
Há, no entanto, investigações inconclusas sobre emendas que dependem da PGR. Uma se destaca: a que trata do ministro das Comunicações, Juscelino Filho, que foi eleito em 2018 deputado federal pelo União Brasil-MA.
Em junho, a Polícia Federal concluiu que Juscelino Filho integra uma organização criminosa e cometeu crimes relacionados a desvios de recursos de obras de pavimentação custeadas com verba da Codevasf. Ele foi indiciado sob suspeita dos crimes de organização criminosa, lavagem de dinheiro, corrupção passiva, falsidade ideológica e fraude em licitação.
As suspeitas envolvem irregularidades em obras executadas em Vitorino Freire (MA), cidade governada por Luanna Rezende, irmã do ministro, e bancadas por emendas parlamentares indicadas pelo ministro de Lula no período em que ele atuava como deputado federal.
Em resposta, Juscelino criticou a atuação da PF e chamou o indiciamento de “ação política e previsível”. “Trata-se de um inquérito que devassou a minha vida e dos meus familiares, sem encontrar nada. A investigação revira fatos antigos e que sequer são de minha responsabilidade enquanto parlamentar”, afirmou Juscelino.
Procurada, a PGR não se manifestou a respeito da abertura de procedimentos a partir da lista do TCU enviada pelo Supremo. A respeito das investigações sobre Juscelino, o órgão disse que ela é sigilosa e que não se pronunciaria.
José Marques, Folhapress
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