Dia sim, dia também, os comerciantes de uma rua comercial do bairro de São Cristóvão têm visita. Os forasteiros, mulheres e homens estrangeiros, passam para lembrar, por meio de cartões de visita, que emprestam dinheiro. E para dizer um "oi", amigável ou violento, a depender da recepção, a quem está devendo.
Os visitantes saíram da Colômbia para engrossar a massa da agiotagem existente na Bahia. A prática de empréstimo a juros existe em toda a América Latina, impulsionada pelos índices de pobreza e endividamento da população, mas, em cidades colombianas, ela foi um esquema arquitetado em décadas por uma receita que combina cartéis de tráfico e domínio de territórios.
Para abrir novas rotas, criminosos puseram os olhos no Brasil. Sob a lupa, a Bahia apresentou pré-requisitos atraentes aos agiotas: as pequenas empresas locais devem R$ 1,2 bilhão à Receita Federal, possui a segunda maior taxa de desemprego do país (11,4%), e 40% da população está com o nome sujo, ou seja, não pode apelar a bancos.
Instalados na Bahia, os agiotas se espalharam pelo mapa, do sul ao norte, em cidades de médio e grande porte. Uma delas é Juazeiro, onde, na noite do último dia 1º de outubro, dois colombianos (pai e filho) foram assassinados.
O bairro do Coliseu, onde os homicídios ocorreram, é comercial e, segundo comerciantes, estrangeiros aparecem diariamente para emprestar dinheiro. O crime é investigado pela Polícia Civil.
“O triplo homicídio ainda está sendo investigado, a relação do caso com a agiotagem colombiana é uma possibilidade, pois há um grupo deles que está lá há algum tempo, fazendo cobranças, empréstimo diário, e cometendo violência contra quem não consegue pagar”, afirma o diretor do Sindicato dos Policiais Civis da Bahia, Edvaldo Santos. “Todavia, a polícia tem dificuldade em apurar crimes de agiotagem, em virtude da falta de registro, já que a população não vai à delegacia denunciar geralmente".
Como acontece em Juazeiro, em Salvador os agiotas também elegem bairros com potencial no comércio e populosos para trabalhar, como São Cristóvão, Liberdade, Cajazeiras e o centro. Em uma das calçadas da Avenida Aliomar Baleeiro, em São Cristóvão, três dos cinco vendedores ambulantes de plantão por ali já recorreram aos colombianos.
Um deles, inclusive, fechou o box em uma das manhãs chuvosas de outubro em que a reportagem esteve no bairro. Não pelo tempo. "Ela deve a dois ‘gringos’ e fecha quando não pode pagar", afirma um dos vizinhos, também habituado a pedir dinheiro aos estrangeiros.
Como agem os agiotas colombianos?
Cartões deixados na véspera naquelas bancas, que vendiam de CDs a bananas, mostravam como funciona o sistema de empréstimos: quem tomar, por exemplo, R$ 100 emprestado deverá pagar R$ 6 por dia, por 20 dias. No final, pagará um valor 25% maior.
Segundo o Banco Central (BC), a taxa média de juros mensais em bancos é de 13%. Alheios a esses dados ou inadimplentes, os vendedores de hortaliça são os principais clientes dos estrangeiros. A mercadoria deles é perecível: o que não é vendido estraga rápido e precisa ser reposto. Faltar dinheiro é tão frequente quanto um cliente apertar a fruta antes de levar.
Em agosto, uma das vendedoras tomou R$ 8 mil emprestado para repor a mercadoria, comprada em um centro de abastecimento. Foi o segundo empréstimo em dois anos. "A gente conseguiu pagar e hoje não deve nada", contou a mulher, que passa o dia à frente da barraquinha.
"Empréstimo no banco não gosto", acrescenta ela, com a justificativa de que as burocracias dessas instituições são um empecilho para pequenos empreendedores.
Quem prefere o financiamento dos colombianos também alega que o acordo é mais rápido; além do mais, estão mais acostumados a tratar com agiotas do que com atendentes de banco. "No banco querem saber até o que você come", reclama outra comerciante, que pede dinheiro a colombianos há mais de 10 anos.
O negócio é antigo. "Mas aumentou muito nos últimos dois anos", diz um vendedor de lanches. "Vejo uns dez colombianos diferentes aqui", estima ele, enquanto tira cinco cartõezinhos de colombianos de um pote transparente.
No papel, estão escritas as condições de pagamento, um contato com DDD local e o aviso: "Sem fiador, pagamento diário". Se preferirem, os clientes também podem ir até uma das dezenas de salas de empréstimo no bairro.
O intervalo em que os comerciantes observam um aumento da presença de colombianos no bairro coincide com o crescimento da imigração da Colômbia para a Bahia, impulsionada pelas sucessivas crises econômicas, políticas e de segurança no país. Em 2010, 30 colombianos solicitaram moradia temporária na Bahia. No ano passado, foram 97.
Sem encontrar trabalho formal no destino, ou recrutados para a agiotagem antes da imigração, alguns estrangeiros iniciam como "gota a gota".
Agiotas são recrutados antes de sair do país
A função do “gota a gota”, cobrar diariamente as dívidas, é uma das que sustenta a pirâmide da agiotagem colombiana — ela não existe na agiotagem brasileira, que opta pela cobrança mensal.
Esse “gota a gota”, ou cobrador, recebe R$ 300 semanais, o aluguel de uma casa e uma moto para trabalhar. Os chefes são os agiotas, os donos do dinheiro, que ocupam o topo da pirâmide. Na base, está o “tarjeteiro”, que distribui os cartões de empréstimo e cataloga os nomes dos devedores. Quem está nessa lista sabe do risco.
Fonte:Correio
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