São Paulo — O Comando Vermelho (CV), principal facção do Rio de Janeiro, tem ampliado seu poder sobre o litoral norte de São Paulo e, com esse objetivo, disputa com traficantes locais pontos de venda de droga e redes de fornecimento. De acordo com informações de inteligência das polícias dos dois estados e do Ministério Público paulista, a expansão teve início pela cidade de Ubatuba, fronteira com o Rio de Janeiro, e ganhou força nos últimos anos.
Autoridades ouvidas pela reportagem afirmam que o avanço do CV ocorre de forma gradual e silenciosa, sem confronto direto com o Primeiro Comando da Capital (PCC) – que é a maior facção paulista e, até pouco tempo, era absoluta na região.
A conquista pacífica de territórios por parte do CV pode indicar, segundo as autoridades, um desinteresse do PCC nos mercados locais de droga, para priorizar sua expansão internacional.
“A ocupação do Comando Vermelho está sendo sorrateira, paulatina”, diz o promotor Alexandre Affonso Castilho, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Vale do Paraíba. “Parece que o PCC realmente perdeu o interesse no tráfico regional. Então, o tráfico regional é explorado basicamente pelos traficantes locais, que ficam vulneráveis ao CV.”
Para o promotor, o avanço do Comando Vermelho também pode ser notado nas rotas do tráfico de drogas.
“Até no que diz respeito ao fornecimento de droga para os traficantes locais, o PCC perdeu monopólio. Esse fornecimento hoje para o tráfico regional tem sido bem ‘democrático’. O PCC já teve uma fatia de mercado muito grande. Hoje o CV ocupa seu espaço”, afirma Castilho.
Alexandre Affonso Castilho afirma que a presença dos traficantes cariocas é percebida especialmente nos bairros periféricos de Ubatuba e nas regiões afastadas das praias, locais conhecidos como sertões. De acordo com o promotor, o Comando Vermelho também tem explorado a grilagem de terras na região.
O coronel Uirá Ferreira, subsecretário de Inteligência da Polícia Militar fluminense, afirma que o avanço do Comando Vermelho pelo litoral norte de São Paulo é facilitado pela semelhança territorial com o sul do Rio de Janeiro.
“Essa região do litoral norte de São Paulo, Ubatuba, é muito parecida com o Rio. Em termos de relevo, é muito similar ao que a gente tem, por exemplo, ali em Angra dos Reis. Então, você vai ter um modus operandi de atuação parecido, principalmente no que diz respeito a domínio territorial, barricada, contenção”, diz Uirá Ferreira.
“É difícil uma grande cidade, como é a capital de São Paulo, ter locais com essas características. Como você não consegue acessar com viaturas, dificulta muito e facilita a implantação da atividade criminosa”, acrescenta o coronel.
Paraty
No passado, o PCC já tentou avançar sobre a fronteira entre Ubatuba e a cidade vizinha Paraty, localizada no estado do Rio de Janeiro, de acordo com o delegado Marcello Russo, do distrito policial de Paraty. Há pelo menos cinco anos, diz ele, o movimento acontece apenas no sentido contrário.
“O PCC, em alguns momentos no passado, em casos isolados, principalmente nos dias festivos, como Festival da Cachaça, Bourbon, Flip, Carnaval, tentava implantar um ponto, estabelecer-se no território, principalmente em Trindade, ou perto do centro histórico. O próprio Comando Vermelho repeliu essas investidas.”
“Hoje, realmente, observa-se o movimento expansionista do Comando Vermelho para São Paulo”, afirma.
Para Russo, o processo de expansão do Comando Vermelho para São Paulo ocorre em um contexto de fortalecimento da facção em todo o Rio de Janeiro. Ele cita que, na cidade de Paraty, há uma disputa entre o CV, que historicamente domina as comunidades Ilha das Cobras e Condado, e o Terceiro Comando Puro (TCP), que historicamente comanda as comunidades Pantanal e Pontal.
Nos últimos anos, no entanto, traficantes do Comando Vermelho teriam conquistado áreas do TCP.
“Quem domina essa região da fronteira, do bairro de Trindade, que é um dos últimos pontos que vai em direção a Ubatuba, é o Comando Vermelho. A facção se fortaleceu bastante nos últimos anos, desde o fim da pandemia, em todo o Rio de Janeiro e também na cidade de Paraty”, afirma Russo.
“Parece agora que o Terceiro Comando está se fortalecendo para retomar as áreas. Então, há previsões de um possível confronto aqui no Rio de Janeiro”, complementa.
Vácuo do PCC
O promotor Alexandre Affonso Castilho, do Gaeco do Vale do Paraíba, afirma que um dos indícios do desinteresse do PCC no litoral norte é o aumento no número de homicídios.
“A taxa de homicídios nas cidades da região é uma das maiores no estado, porque os pequenos traficantes estão brigando entre si por pontos de drogas, por territórios que foram deixados pelo PCC. Está tendo muito homicídio no Vale do Paraíba por conta disso. É um indício de que o PCC não se importa tanto com esse território”, afirma.
Fonte:Metrópoles
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