Mãe e Médica, diz ter sido impedida de entrar em hospital para ver filho baleado e morto pela PM

 Marco Aurélio Cardenas Acosta

De plantão havia mais de 20 horas, a médica intensivista Silvia Mônica Cardenas Prado, de 57 anos, estava em atendimento no Hospital Municipal Ermelino Matarazzo, na zona leste de São Paulo, quando foi avisada de que o filho mais velho procurava por ela na portaria. Já naquele momento desconfiou que seria algo grave. "Nunca um filho meu havia ido lá, muito menos às 5h da manhã", disse ao Estadão.

Ao descer, Silvia recebeu a notícia de que seu caçula, Marco Aurélio Cardenas Acosta, de 22 anos, havia sido baleado. O estudante de Medicina da Universidade Anhembi Morumbi foi atingido por um disparo durante abordagem policial na madrugada desta quarta-feira, 20, dentro de um hotel na Vila Mariana, zona sul da capital.

Silvia, então, foi dirigindo às pressas até o Hospital Estadual do Ipiranga, para onde o filho foi encaminhado. Ao chegar, a surpresa: "Os guardas não me deixavam entrar, mesmo eu tendo me identificado como médica", disse.

Silvia disse que chegou a se ajoelhar pedindo para ver o filho, mas sem efeito. "Eu perguntei 'por que?' e me falaram que era ordem da polícia."

Procurada, a Secretaria da Saúde do Estado disse que o Hospital Estadual Ipiranga segue diretrizes internas que visam a segurança e privacidade dos pacientes atendidos. "O atendimento inicial ocorre a partir da recepção e o acesso para transitar dentro do local deve ser respeitado, de acordo com as normas, seja para pacientes, familiares ou até mesmo para profissionais que atuam em outros hospitais", disse.

A Secretaria da Segurança Pública afirmou que não iria se manifestar.

Parecer do Conselho Federal de Medicina (CFM) aponta que não pode ser negado aos médicos, "em nenhuma hipótese, o ingresso nas unidades de saúde, independentemente do horário de visitas, mesmo que a visita seja dita de caráter social". "Nenhuma norma estatutária ou regimental pode restringir o livre acesso do médico às unidades de saúde", afirma a diretriz, publicada em 2015.

Já o Conselho Regional de Medicina do Estado de SP (Cremesp) diz que a liberação depende do responsável pelo hospital. "O Cremesp informa que a liberação da entrada de médicos, nestes casos, depende do regimento e das normativas internas de cada hospital. No entanto, normalmente, o médico é autorizado a entrar, contanto que ele se identifique e obtenha a autorização do diretor técnico responsável pelo estabelecimento de saúde."

A médica conta que só teve informações sobre o estado de saúde do filho ao ver um antigo colega de trabalho no hospital. "Perguntei para ele: 'você atendeu um menino de 22 anos baleado pela polícia?'. Então ele disse para mim: 'ele morreu'. Eu olhei para ele e falei: 'é meu filho'", disse.

Silvia contou que foi consolada pelo colega. "Ele falou para mim que (meu filho) estava todo destroçado por dentro, que havia sido um tiro mortal."

Marco Aurélio morreu às 6h45. "Meus olhos estão inchados, não paro de chorar."

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública informou que o "jovem golpeou uma viatura policial e tentou fugir". O Estadão apurou que Marco Aurélio Acosta teria acertado o retrovisor do automóvel da PM. Ainda de acordo com a SSP, ao ser abordado, ele investiu contra os policiais e foi baleado. A pasta informou também que o caso é investigado e que os policiais envolvidos foram afastados.

No X, antigo Twitter, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), disse lamentar a morte de Marco Aurélio. "Essa não é a conduta que a polícia do Estado de São Paulo deve ter com nenhum cidadão, sob nenhuma circunstância. A Polícia Militar é uma instituição de quase 200 anos, é a polícia mais preparada do País e está nas ruas para proteger. Abusos nunca vão ser tolerados e serão severamente punidos", escreveu.

Estudante participaria de congresso nos próximos dias

Prestes a ingressar no 6º ano da faculdade, Marco Aurélio estava empolgado com o que vinha pela frente. No sábado, 23, ele apresentaria um trabalho em um congresso de clínica médica em Barueri, na Região Metropolitana de São Paulo - a mãe, médica intensivista e professora, iria palestrar no mesmo evento.

Era um passo a mais na sonhada carreira de pediatra do estudante, que caminhava para ser o quinto médico da família. Além dele, também exercem a profissão os pais, que se mudaram do Peru para o Brasil há quase 30 anos, e os dois irmãos mais velhos.

O enterro de Marco Aurélio Cardenas Acosta será nesta sexta-feira, 22, à tarde, no Morumbi, na zona sul de São Paulo.

Correio

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